A atual crise da humanidade

A atual crise da humanidade

O destino da humanidade se manifesta atualmente como uma crise mundial que, sob a forma de desemprego forçado, pobreza, doença, revolução, matança de fetos, assassinatos, suicídios, vícios, perversões, casamentos infelizes, falta de religiosidade e distúrbios mentais, é percebido como um crescente fator e de tal amplitude que, visto em perspectiva, não deixará de afetar a ninguém.

É por isso que o fato de se tentar obter uma visão de conjunto sobre o que na verdade está acontencendo não é somente algo atual, mas indispensável se se trata de por um fim à dita crise. Mas, por acaso, não tem a humanidade essa visão de conjunto? A humanidade tem, sem dúvida, a ciência, universidades magníficas, escolas e centros educacionais para o desenvolvimento da inteligência, laboratórios para análises de substâncias, observatórios para o estudo da posição da terra no espaço, e entretanto, ignora simplesmente aquilo de que é testemunha. Porque se sua visão fosse justa deveria, neste caso, qualificar-se de anormal, de demente, no que diz respeito ao seu modo de atuar.

A humanidade possui riquezas imensas, mas vive na pobreza; tem fontes de nutrição inesgotáveis, mas passa fome; dispõe de condições para a saúde, mas apresenta uma lista infindável de doenças; possui imensos “cavalos de força” ou meios para deixar que os elementos trabalhem por si próprios, mas come todavia o pão com o suor do rosto; tem governos, ministros, presidentes, reis e ditadores, mas vive no caos e na escuridão; tem igrejas, templos, profetas e redentores do mundo, por meio dos quais o grande mandamento: – “amai-vos uns aos outros” ou ainda “quem com a espada fere, com a espada será ferido” – tem sido anunciado como o caminho para a vida, e contudo, dá mostras de genialidade em produção de instrumentos de morte ou material bélico. É evidente que se a humanidade tivesse uma visão de conjunto total sobre sua própria força, sua psico-análise lhe mostraria que é ela completamente anormal.

Mas, felizmente, isto não é bem assim. A humanidade é totalmente normal. Faz experiências e as utiliza; inventa e faz descobertas; adquire conhecimentos e, por meio destes, ganha poder. A humanidade se encontra em uma evolução contínua e ascendente. Atualmente tem um poder muito grande e possui inúmeras forças criativas que têm apenas cem anos. E se, apesar disto, ainda não pode submeter a terra, é porque ainda não fez as experiências suficientes e, por isso, ainda não tem esse controle sobre si mesma, que é necessário para evitar os desequilíbrios sob os quais vive.

O velho deve sucumbir.

A atual miséria da humanidade é somente uma questão de evolução. Essa miséria não pode, portanto, ser atribuída a ninguém, nem ao sacerdote, nem ao malfeitor, nem ao pobre e nem ao rico. Ela está baseada no sistema existente. E não se pode esperar que esse sistema mostre um idealismo ou um nível de evolução superior àquele ao qual a humanidade tem alcançado no que diz respeito ao seu nível de consciência e do qual dito sistema constitui um resultado. E dado que a humanidade não é anormal e tem capacidade para fazer experiências, para pesquisar, chegará então, por meio de todos os seus desequilíbrios e moléstias, sob os quais geme e suspira, à superação de seu atual sombrio destino.

Esse destino será, em todos os seus detalhes, objeto de investigação; objeto dentro cujo domínio a humanidade está, atualmente, buscando conhecimentos sobre como um sistema social ou um regime precisamente não deve ser. Diante de seus olhos surgem experiências que se desencadeiam em uma crescente antipatia contra as condições existentes e estas minam o antigo sistema social. Esta antipatia é a primeira manifestação do começo do amanhecer de um novo tempo. O fato de que sejamos testemunhas da queda da antiga cultura mundial e do nascimento de uma nova cultura, também mundial, será brevemente uma realidade para todos. Do mesmo modo será uma realidade o fato de que atravessamos um momento decisivo e de extraordinária importância na história da terra, e o fato de que contemplamos um marco do imenso reino da eternidade.

As atuais gerações da humanidade herdaram do passado uma grande sabedoria a qual, para que não tivesse uma ação cega, impraticável ou incompreensível, foi moderada e adaptada por meio de símbolos e metáforas à primitiva faculdade imaginativa das gerações antigas. Essa sabedoria é, todavia, transmitida hoje da mesma forma, ou seja, com as mesmas limitações sobre as gerações modernas. Estas, seguindo outros caminhos – em parte o da investigação científica e em parte o do desenvolvimento de uma vida afetiva mais adulta – alcançaram conhecimentos que, mesmo não sendo suficientes para alicerçar as exigências religiosas e morais, ofuscaram há tempos essa roupagem exterior ou essa interpretação, por meio da qual essa sabedoria herdada foi atenuada. Essa interpretação tem sido percebida pelas gerações modernas, em grande intensidade, como antiquada ou ingênua e, paulatinamente, foi se transformando em dogma. Isso criou, necessariamente, um desequilíbrio entre estas gerações e os predicadores da sabedoria herdada do passado por meio da tradição.

Como consequência, surgiram os incrédulos e livre-pensadores. O interesse em ir à igreja diminuiu. Ser religioso não era moderno. E começaram a se ativar as condições para uma certa desmoralização. Estes desequilíbrios foram qualificados, em muitas ocasiões, como “falta de religiosidade”. Mas esta qualificação é muito errônea, porque ninguém pode carecer, absolutamente, de falta de religiosidade. Mesmo que um ser humano não possa acreditar em uma determinada metáfora, em uma determinada forma ou dogma, acredita, entretanto, na verdade. A única exigência é que essa tal verdade se manifeste de forma que tenha ressonância em seu interior. Porque quando essa verdade é interpretada em harmonia com as suas próprias experiências ou vivências, crê-se de forma absoluta. E se em uma situação semelhante não se crê, isso pode acontecer simplesmente por causa de aspectos doentios que se encontram na consciência. E, como nesse caso, trata-se de um ser anormal, não o levaremos em consideração. Assim, o homem terreno não se encontra somente em desequilíbrio com a parte material, mas também com a sua parte religiosa ou espiritual no que se refere à experiência da vida.

O homem exige provas.

Para que a harmonia perfeita possa nascer na terra é necessário que a sabedoria eterna, a verdade absoluta sobre a vida se revele de tal modo que esteja em consonância com os feitos absolutos dos quais os seres, por meio do desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos, tenham tomado posse. Esta sabedoria já não pode mais apresentar-se como um dogma, como uma metáfora, como uma bela aventura sem nenhuma raíz especial nas experiências cotidianas e, desta maneira, ser uma questão de fé. Pelo contrário, deve apresentar-se como uma realidade com base científica em fatos reais.

A “falta de religiosidade” das gerações modernas é, na verdade, expressão de uma “religiosidade” que não só exige a sabedoria eterna como princípio absoluto da existência mas também requer um método de cálculo deste princípio, de modo que tais gerações possam acedê-lo por seus próprios cálculos e possam integrá-lo em seu próprio saber. É esta a forma de “religiosidade” da qual somos testemunhas e a qual chamamos de ciência moderna. Todos os homens da ciência são, deste modo, e em amplo sentido, pesquisadores da verdade.

Esta forma de “religiosidade” se difunde entre o grande público por meio de escolas e centros educacionais de todos os tipos. Apesar de não ser muito comum perceber isto desde este ponto de vista, pode-se dizer que todo homem que aprendeu a falar, todo homem que pode somar dois mais dois é um incipiente homem da ciência, um incipiente cultivador da sabedoria. E é um feito que quanto mais evolucione esta forma de religiosidade, tanto mais deve diminuir a crença que se baseia na fé cega.

A base desta nova transformação da religiosidade deve ser encontrada em uma evolução acelerada – no último século – da capacidade de análise do indivíduo, isto é, do que chamamos de inteligência. A inteligência é o primeiro sentido por meio do qual o indivíduo pode chegar ao conhecimento absoluto ou à análise de suas próprias experiências.

Dado que os homens terrenos são, em grande parte, objetos de experiências físicas ou materiais, estas constituem, consequentemente, o objeto mais importante do qual sua inteligência se ocupa. Por isso, é evidente que o primeiro conhecimento absoluto que a humanidade adquiriu teve que, de forma proporcional e necessariamente, ser de natureza material ou física. O fato da ciência moderna se manifestar como “física” ou “material” significa somente que os que a cultuam, os que a originam, ainda não têm experiências ou vivências espirituais suficientes para poder direcionar a estas sua inteligência. Por isso, são incapazes, proporcionalmente, de assimilar conhecimentos espirituais à margem do imenso que sua inteligência seja. Da mesma maneira que se exigem experiências físicas para se produzir conhecimento físico, também são necessárias experiências espirituais para se produzir conhecimento espiritual. A ciência moderna ainda não é nenhuma autoridade no plano oculto ou espiritual. Entretanto, no futuro será o que hoje ainda não é. Depois de ter alcançado a culminação do conhecimento físico, surgirá o apetite para o conhecimento espiritual.